sábado, 27 de abril de 2013

Em contos...


Seminário Infâncias.
Meses e meses de caminhada.
Meses e meses fazendo novos amigos.
Finalmente chegou a hora de toda caminhada deixar de ser virtual. Tentei por duas semanas preparar um vídeo para iniciar o encontro, não consegui. Havia muito para falar e depois percebi, que não podia ser dito apenas com palavras. Falar de: ausência, Portugal, crianças, Alzheimer, infâncias, família, quintais, cultura, respeito, avós, Rubem Alves, Manoel de Barros, poesia, simplicidade, belezas, sala de aula, professores, música, superação, educadores... Precisava falar das Ágoras vividas e não consegui traduzir em poucas palavras. Este repertório pedia família, gestos e abraços.


Comecei “colocando” minha família no palco, em agradecimento ( não podiam subir realmente pois estavam trabalhando nos bastidores do seminário ), por toda companhia e dedicação, por todo trabalho e alegria, por me ajudar a transformar um sonho em um ideal.

Seres cuidados e educados por D. Helena Firmina de Queiroz, minha avó. Ela, que influenciou com amor e gentileza a vida de pelo menos 130 pessoas com as quais conviveu, foi a grande homenageada deste encontro. Acolheu em sua casa quem precisava, dividiu a comida, a casa, os quintais e os filhos com os amigos. Cuidou das plantas, suas eternas companheiras, sua jóias preciosas, suas amigas as quais molhava todos os dias de manhã cedinho e de tardinha... Um momento de oração! Nunca conviveu com riquezas materiais, mas desde muito cedo sabia que riqueza de verdade é plantar na família o amor, a necessidade de se reunir, comemorar, agradecer, conviver...

Ela não discriminava, acolhia.

Depois que adquiriu Alzheimer continuou ensinando. Cada dia mais dependente fisicamente, ria de si mesmo, fazia os exercícios, insistia em comer alimentos sólidos, mesmo correndo o risco do engasgo ( angustia que viveu dezenas de vezes, por causa do travamento paulatino da mecânica do corpo ) mas se era “para o bem...”. O Alzheimer trouxe consigo a isquemia. A primeira vez que desmaiou, eu estava próximo ( escondida, para que ela não percebesse a nossa preocupação ), consegui socorrer gritando por socorro. Eu e meu irmão a carregamos até dentro de casa. Logo depois recobrava a consciência.

Nossa ligação sempre foi muito intensa, por isso, ela me ensinou a ouvir, a contemplar, a abraçar, a conversar. Ela me “ensinou a ver”. Quantas histórias temos juntas...

Rubem Alves diz que a primeira função da educação é “ensinar a ver” e eu acredito !

Ele também esteve presente no seminário através do emocionante documentário: Rubem Alves, O Professor de Espantos!
Não tenho como agradecer a todos que estiveram no Amélio Amorim, nos dias 25 e 26 de Outubro... Muitos de vocês me agradeceram pela promoção do seminário, mas digo, como sinceridade absoluta, tentei me preparar para falar com profissionais, nunca, nem nos meus melhores sonhos imaginei que falaria com crianças.










Se não fosse à pré-disposição de cada um para se deixar levar de volta a infância vivida ou imaginada, nada teria dado certo. Um bolo de milho com suco de tamarindo ou um doce de leite não teriam o menor significado. Conviver, com amigos ao pé de uma mangueira não derramaria poesia... Ser capaz de criar significados, eis à questão. Não fiz isso sozinha.

Poderia contar como foi o processo de inscrição de cada uma das pessoas que ali estavam. Cada encontro meu com vocês me emocionava da mesma forma que fui me emocionando ao longo do planejamento do encontro. Imaginar um presente e vê-lo materializado, imaginar um amigo ( a ) e ser surpreendido por sua acolhida, por seu abraço... Vcs todos foram fundamentais, não canso de repetir. Cada um em especial, com suas particularidades, coloriu aquele espaço tão simples. Não fiz isso sozinha.

Tudo então aconteceu assim. Era uma vez...

Primeiro dia,

Começamos com a apresentação das crianças da Escola Célida Soares Rocha, localizada no carenciado bairro Rua Nova, na cidade de Feira de Santana. Meninos e meninas que construíram seus instrumentos musicais com sucatas, que acordaram cedo e se aventuraram em palco nunca antes pisado, para apresentar um trabalho construído ao longo de um ano, sob o olhar do professor Wellington Nery.








Marília Dourado - Dividindo conosco a sua experiência, vivida nas escolas italianas de Reggio Emilia, trazendo para o nosso convívio culturas estrangeiras que acrescentam, que norteiam. Contributo que muito ampliou as fronteiras educativas nos levando para a Itália, mas acima disso, nos levando para o lugar da criança, que não é limitado, que não é aqui ou ali... Obrigada pela “viagem”!

Roseli Amado – Uma mineira baiana que distribui poesia pelo jeito de falar, pelos gestos, pela gentileza. Ao tirar os sapatos para subir no palco... um gesto de delicada beleza, que ao meu ver, enalteceu mais ainda a sua reverência pelos lugares onde as infâncias vivem. A experiência pedagógica quando exposta por pessoas/poesias já revelam seus caminhos, já revelam linhas de abraços e assim ela fez, promovendo um abraço coletivo no final da sua fala. Obrigada pela delicadeza !



Nairzinha – Reconhecidamente musical, uma entusiasta da nossa cultura. Arte plástica, história, música, criança, quintal... Uma encantada senhora que fez todo mundo dançar ciranda, por isso fez muita gente chorar de alegria pelo reencontro... Fazer dançar cantigas de roda propondo que este seja um hábito nas nossas escolas nos eleva a uma categoria de professores e educadores amigos, parceiros das crianças... Iguais.  Ela contribuiu para que mandássemos a formalidades pelos ares, em busca da brincadeira de roda. Obrigada pela “ciranda”!


Segundo dia,

No almoço no dia anterior, na Casa do Sertão, tivemos a grande surpresa de nos encontrarmos com o cordelista Bule-Bule. Fizemos muitas fotos e um pedido: poderia nos visitar amanhã no Amélio ? Ele nos disse que passaria rapidamente, pois estaria viajando no dia seguinte.
Foto: Filho de Bule-Bule

Estou eu organizando as atividades da manhã do dia 26 de Outubro, quando: “ Lara, Bule-Bule e Antônio Queiroz estão ai”. Antônio Queiroz é primo carnal ( como se fala por aqui...rs ) de minha avó Helena, portanto meu primo também. Foi uma honra tê-los conosco. Eles e Téo Guedes anunciaram o que seria aquele segundo dia: emoções e aprendizagens.

O Cordel preencheu todo espaço no teatro, ganhou admiradoras, encantou a todos. Em um dado momento, a música pediu e dançamos roda novamente... A passagem deles que duraria cerca de 40 min. durou 1h 15 min... Um presente !!!

 Antônio Queiroz
 Téo Guedes
Bule-Bule


Ana Claudia Leite – Uma linda menina, cheia de experiências profissionais e pessoais para contar. E contou ! Ficamos gratos por sua sincera partilha pessoal. Palavras que foram “vividas” são transmitidas com uma apropriação não encontrada nos livros, o que foi experimentado, quando traduzido em palavras, são escritas com letras, sensações, cheiros, sabores, dores, alegrias... O passar do tempo não apaga este formato. As palavras e postura dessa paulista menina ecoaram naquele teatro como água cristalina mostrando “Brasis” da cor da terra, mas também mundos infantis consumistas; mídias agressivas, mas também banho de rio... Um Brasil em vários territórios! Obrigada pela simplicidade!








Eliane Araujo – Menina baiana do recôncavo. Fez todo mundo dançar e pensar: Como usamos a nossa cultura ? Conhecemos a cultura da nossa região ? Encheu o teatro com a memória do nosso povo, com memórias de infâncias brincadas em terreiros, sob a sombra dos nossos idosos. Eliane, junto com a Casa de Barro, mostrou que o nosso povo carrega memórias que precisam ser valorizadas e não só: VIVIDAS ! Este fundamental diálogo com o que somos (passado – presente – futuro) nos dá encontros e é por meio destes que a educação na infância deve brotar ! Obrigada pela cultura !




Therezita Pagani – Quem não chorou com ela ? A fundadora de uma escola ( Tê-arte ) que é um quintal. Esta doce senhorinha vai muito além disso (tudo). Durante os dois dias que esteve conosco dançando, ouvindo, conversando, abraçando...deixou transparecer o seu amor pelas crianças, não se importou em demonstrar aos 80 e poucos anos o seu interesse pelo que estava sendo dito, mostrado, dançado... Ávida por aprender! Compartilhou autores, livros... Contou a sua história de vida, falou de educação, mas também de mães, de consumismo, de crianças tercerizadas, de responsabilidades, de deveres, de amor, cuidado... Nos lanches, queria ficar onde “o povo estava”, não na sua confortável cadeira dentro do teatro... Participou dos dois dias do começo ao fim.  Confesso que a conheci de fato durante os dois almoços que tive a honra de partilhar com ela e Renata...Mas, isso é segredo ... rsrsr. Renata, amiga de Therezita, parceira na Te-arte, falou de forma belíssima sobre a sua vivência ao lado da amiga e sábia senhorinha. Para tornar o que foi dito mais a flor da pele me perguntou se poderiam expor algumas fotos pessoais... Mais um presente, o desejo de expor outra família, linda e toda suja de lama ( seus netos, que se divertiam em um barranco ). Lindos frutos da escola quintal. Obrigada lindas meninas pelas sabedorias !
Foto: Luciana Oliveira








José Pacheco – Fundador da Escola da Ponte – Portugal. Começou nos fazendo perguntas. Nos contou a sua difícil história de superação de vida, nos fez chorar copiosamente por causa de um menininho de 11 anos: O que é educar ? Como combater a violência na sala de aula ? Com amor, atenção, carinho e abraço talvez... ( ??? ) !  A seguir nos descreveu uma linda poesia: crianças, as quais ele tinha obrigado a ouvir Vivaldi por um tempo, em contato com a ausência da música se reuniram em um canto da sala, de mãos dadas, com os olhos fechados e com delicados movimentos de dança cantarolando a música... Além de tudo que disse, seu gentil gesto de acatar um pedido de Therezita para que tocasse violão, meio envergonhado, rindo... disse: “Um pedido seu...” ( Ela me disse no almoço daquele dia: “ Pacheco é um exímio tocador de violão, pede a ele para tocar...” “ Eu ??? Não ! Nem pensar !!! Nunca vi Pacheco tocando em público...” Ela deu risada e disse: “ Eu peço.” E eu disse: “ Eu arranjo o violão” ). Um fado e o hino da Escola da Ponte, em um cenário improvisado, um trabalho de equipe como ele disse... Obrigada pela indignação e gentileza !











***

Depois de dois dias intensamente vividos, 



retorno ao quintal sete dias depois para sentir a inquietação que grita:

Que “formato” educativo é esse que faz chorar, que faz a emoção aflorar, que gera abraços, risos, amigos, cirandas, superações, doce de leite... ?